17 de fevereiro de 2012

Sobre a Fronteira

(Créditos: Thaís Lopes)
O vento percorre o campo sem piedade. Carrega em seus braços a tensão e a premonição da guerra.  Causa arrepios a própria terra, como um aviso do que está por vir. Para os humanos que se atrevem a passar por ali a imagem da futura devastação já pode ser absorvida. Apodrecendo a alma. Devastando o espírito.

Uma enorme linha se estende no meio do campo. A linha que divide e estabelece limite entre dois territórios inimigos. A fronteira. Uma fronteira invisível e silenciosa. Que estava a muito tempo calada, mas que se reerguia de tempos em tempos para causar divisão e dor. Para separar a vida e a morte e impor decisões cruéis a seus subjugados súditos.

Quando a fronteira falava, todos eram obrigados a ouvir e a decidir. De que lado você está? De que lado vai ficar? Hora de lançar a sua sorte. Escolha aquele pelo qual está disposto a viver ou morrer. Mesmo que, de certo modo, pertença aos dois lados da fronteira, mesmo que suas expectativas e sonhos estejam arraigados e entrelaçados unindo os pedaços que você é de cada um dos lados. Escolha.

Atravessando uma cortina de poeira, entra no palco uma menina. Ela está abraçada a uma ampulheta. Agarrando-se a ela, como se agarraria a vida. De olhos fechados luta contra o vento, que em sua frieza e fúria tenta impedi-la de prosseguir. A menina é um desses. Os chamados Nós. Presos aos dois lados da fronteira. Ao ódio e ao perdão.

 Ela caminhou muito para chegar até o local da guerra antes dos exércitos. Sua ingênua esperança era de que a terra que seus pés tocavam e que em breve estaria suja de sangue, lhe desse a resposta que procurava. Que lhe ajudasse a decidir a quem realmente pertencia. E por qual lado lutaria.

A ampulheta lhe informava quanto tempo ainda tinha para fazer a sua escolha. Mas a areia dentro dela escorregava rápido demais e preenchia rapidamente o coração da menina de temor. Brigava consigo mesmo para que decidisse, mas toda vez que pensava ter tomado uma decisão, voltava atrás e se confundia novamente.

Mais perdida do que nunca esteve, a menina se ajoelhou perante a Fronteira. Implorando que lhe isentasse da terrível escolha. O sabor das suas lágrimas era amargo. Elas caiam no chão de terra e espalhavam a escuridão através dela. Em todo o seu mundo, naquele momento, as flores deixaram de florescer. 

A fronteira, assentada em seu trono inalcançável, sentiu a terra diferente sob seus pés e pela primeira vez, olhou para baixo. Lá estava a menina curvada em dor e indecisão. Abaixando-se lentamente, a fronteira alcançou a pequena. Seus dedos gélidos tocaram a cabeça da menina, que ergueu seu rosto.

- Preste atenção pequenina. – Disse a fronteira em sua voz ressonante. – Se julga especial dentre todos?

- Não. – Murmurou a menina.

- Pois então, porque os outros podem escolher e você não?

- Porque eu não quero ter de escolher. – A Fronteira negou.

- A vida é feita de escolhas, nem sempre há uma alternativa agradável, mas cabe a você lidar com isso. Nessa guerra, terá de decidir, como todos. E que a sua decisão a leve para onde tiver de levar. Boa sorte. Adeus.

A menina suspirou, enquanto sua mente gritava cada vez mais alto: decida! E o seu coração berrava de volta: Jamais! A angustia a sufocava, e com pesar se despedia dos últimos grãos de areia da sua ampulheta. Seu tempo estava acabando.

Ao longe, já era possível ver a presença dos exércitos. Eles se aproximavam, marchando em um ritmo constante. A distância estava diminuindo. Força! Gritavam em um dos lados. Coragem! Respondia o outro. A grande massa de gente se dirigia ao limite da fronteira. Em breve se encontrariam frente a frente. Entre eles, estaria uma menina.

De que lado você está? De que lado vai ficar quando a guerra começar?

Tum. Tum. Tum. Cantava o mundo. O suspense era tão pesado que cobria o ar como uma neblina. De súbito, a menina toma sua decisão. Tranca-a em sua mente antes que a indecisão a alcance. Apressada, ergue a ampulheta para simbolizar a sua escolha. É quando o último grão de areia cai. E com ele, a primeira vítima da guerra.

Uma flecha rasga o ar e atinge a menina antes que qualquer um dos lados pudessem se dar conta de sua decisão. A dor vocifera em seu peito. Suas últimas lágrimas são carregadas de amargura, e ela pensa que nunca saberá se morreu pelo lado que estava disposta. Mas não importa, porque seu coração já está adormecendo para sempre. Ela fez uma escolha. Infelizmente, era tarde demais.

Termino aqui a história da menina indecisa, que teve a vida ceifada em uma guerra. Lá no meio do campo Megido resta a lembrança e a duvida. Qual foi a guerra que a levou?

Fronteiras estão dispostas em todos os cantos de nossas vidas. Às vezes tão invisíveis que parecem estar adormecidas. Mas em algum momento, a fronteira se erguerá em furor. Quando acontecer, faça a sua escolha. Não se deixe levar pela desilusão que traz a indecisão. “E que a sua decisão a leve para onde tiver de levar. Boa sorte. Adeus.”

Olá meus queridinhos, é o seguinte, a ilustração aí em cima foi feita especialmente para o blog por uma pessoa querida. Então estão valendo comentários tanto do texto, quanto do desenho. 

Beijos e Queijos.

19 comentários:

  1. O desenho ficou muito bom ! Está de parabéns quem o fez! Acredito , que a vida de cada um de nós é composta por uma sucessão de escolhas. Fazemos escolhas todo tempo, desde as mais simples e automáticas, até as mais complexas, elaboradas e planejadas. Quanto mais maduros e conscientes nos tornamos, melhores e mais acertadas são as nossas escolhas.

    seguindo , adoraria ter você por lá, www.sabrinnagomes.blogspot.com

    ResponderExcluir
  2. Interessante. Pensando no asssunto, o quão irracional são as guerras, a necessidade de escolher um lado e a necessidade segmentação, não é mesmo?
    Se nossas fronteiras falassem que voz teriam?
    Acho que justamente essa voz precisa que colocaste ali, intransigente, coercitiva, amedrontadora.
    Uma voz forte o suficiente para que se apaguem todos nossos instintos humanitários e igualitários, para que assim, no fim das contas, venhamos a ficar cada um de um lado. Nos lados opostos da fronteira. Logo, não há escolha...

    Acesse meu blog! salpage.blogspot.com

    ResponderExcluir
  3. O desenho ficou muito bom. ^^
    E o texto.. deixa eu ver se peguei o que ele quis passar.. eu acho que as fronteiras só servem para separar as pessoas. de nenhuma forma elas são boas.acho que é por isso que a menina titubeou.Blog Abstrações | Tumbr | Twitter

    ResponderExcluir
  4. Tanto o desenho como o texto estão maravilhosos. Muita sensibilidade presente nos dois.

    Adorei Mallu!

    Bom final de semana e bom Carnaval!

    bj

    Rui

    ResponderExcluir
  5. O que eu mais gosto neste texto é o quanto a "escolha" é importante e o quão isso pode gerar conflitos internos.
    E que decisões, devem ser não só pensadas, mas repensadas,pois os impulsos pode nos colocar em vielas, onde deixamos muito para trás.

    Bjim, Kai.

    ResponderExcluir
  6. acredito que você foi mais fundo e quis escrever sobre pessoas. Talvez eu esteja errado, mas todos os dias estamos na fronteira, e obrigados a tomar uma decisão. As pessoas esquecem que não opinar também é uma opção. Ser neutro ainda é uma escolha.

    Parabéns pelo texto, e obrigado por ser ativa na blogosfera do face.

    Abraço

    ResponderExcluir
  7. Olá! Boa noite!
    Do Blogosfera para cá!
    Sim! Pelo que entendi, de forma metafórica,vc quis dizer que , estamos sempre na fronteira...de escolhas. Penso que escolher, é até fácil...mas, na incerteza da decisão...nem sempre teremos uma voz coercitiva para nos ajudar...
    O desenho..espetacular...
    Bom domingo!
    beijos carinhosos!

    ResponderExcluir
  8. Um texto bem complexo esse, hein?
    Sobre a imagem... que legal '-' não sei desenhar nada.
    Nem a mão, nem no pc kkkkkk

    ResponderExcluir
  9. Nossa, que texto denso.
    Confesso que li o começo, desci para o final e fui lendo de baixo pra cima. Às vezes faço essas loucuras.
    Gostei mesmo da ideia toda e do quanto ele é meio filosófico, meio metafórico.
    Quantas vezes paramos na fronteira de nós mesmos tentando não tomar uma decisão eminente? Por que, afinal, são tanta decisões todos os dias. Tantas coisas que precisamos ignorar por ter preferido outras.

    Queria eu poder deixar de escolher. Mas até quando me recuso, estou preferindo ficar calada e fazer outra escolha.

    Enfim.. que não sejamos a primeira a morrer na guerra! Um beijo!

    ResponderExcluir
  10. Vc sabe o tanto q o texto "falou" comigo, né? Foi um puxão de orelha, rs. Sempre espero a último hora pra decidir as coisas... :/
    Existem fronteiras todos os dias na nossa vida, decisões tem que ser tomadas todos os dias e não adianta fugir. Não somos diferentes dos outros, temos q escolher. E temos q escolher logo senão no final nem saberemos qual foi a nossa "verdadeira" escolha.

    Tá confirmado! HAHA, *o* Nem tô acreditando q dessa vez vai dar, kkk
    Beeeijo sem queijo! ;P

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Ahh, e o sobre o desenho.. Qando vi pensei: "Onde ela conseguiu essa imagem?" kk, cheguei a pensar q foi vc q desenhou... :P
      Qem foi? kk, eusoucuriosa.. :/
      Beeeijo

      Excluir
  11. Gostei bastante do desenho, ele me despertou a vontade e curiosidade de ler o texto, que me lembrou muito os HQS de SandMan, conhece?

    @littlepistols
    http://portifoliodasletras.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  12. Muito legal o texto, com uma mensagem melhor ainda. Por mais difícil que seja chega uma hora em que precisamos tomar uma decisão. Quanto mais se demorar para fazer isso, pior é.

    Obrigado pelo seu coment no meu blog. Gostei do seu blog, seguirei e ficarei de olho aqui.
    Bjuss

    ResponderExcluir
  13. Novamente não tenho palavras para descrever a sensação que tenho a ler um de seus textos. Talvez um elogio não baste ou não soe verdadeiro, mas o fato é que adoro seus textos. E a ilustração ficou linda, combinando perfeitamente com a história.

    E o que retrataste é verdade: a vida é feita de escolhas, por isso eu tento manter isso em mente o tempo todo.

    ResponderExcluir
  14. Vim só dizer que eu também sou baiana UHUL!
    Mas fique de boa que eu voltarei na próxima postagem Hahaha (não responda esse comentário inútil)
    Beijo

    ResponderExcluir
  15. Olá L.
    Estou de cara de como você escreve bem e eu não sou de elogiar quando não gosto, apenas me calo.
    Gosto de textos que levam a reflexão como este seu. Por vezes, fazer escolhas é algo muito cansativo por não sabermos, não termos uma direção exata de qual seria a escolha certa e, quando acabamos escolher não escolher, parece que tudo piora e nos leva mesmo a morte, não literal, mas a pior, a da alma, a da essência.
    Quanto a colocar um FIM em um livro, é uma escolha que terá de partir de você e espero que faça esta escolha, que sem dúvidas, neste caso, é a certa.

    ResponderExcluir
  16. Olá! Eu gostei imenso do que escreveu! Simultaneamente me transportou para um mundo onde a fantasia reside mas passou a imagem daquilo que é real. Quantas vezes nos pedem para escolhermos algo mas nós não queremos? Quantas vezes o exigem e nós não conseguimos escolher? :) Gostei das descrições e do desenho! :D Muito obrigada pelo comentário! Fico feliz por ter gostado e posso garantir que se um dia colocar um "Fim" num escrito, vai perceber que aquilo que eu escrevi, é um verdadeiro misto de emoções: tristeza com alegria, maioritariamente :) beijinho! ^^

    ResponderExcluir
  17. Eu me vi na menina indecisa, é como você escreveu, em alguma hora de nossas vidas teremos que escolher por um caminho, sempre. E lembrei de Harry Potter agora, 'nós nos definimos pelas nossas escolhas'. Eu sou muito indecisa, mas estou praticando mais o ato de escolher e 'morrer por essa escolha'.

    Enfim, muito boa a história e melhor ainda a mensagem que traz nela! O desenhos ficou ótimo, achei nem original.

    Beijos ><

    ResponderExcluir
  18. A vida seria bem mais fácil se não fossemos obrigados a sempre ter que escolher. Até porque na maioria das vezes sou como a garota do texto; completamente indecisa. Uma coisa que eu preciso superar... Anyway... deixa só eu dizer que eu AMEI os desenhos! Um parabéns do tamanho do universo pra nossa Thai! Ficou lindo!Fora o texto; como sempre você arrasou Lud! xoxo

    ResponderExcluir

Nada de jogar as suas opiniões pela janela!
Comentários são sempre bem vindos. Se expresse, mas seja respeitoso.

Beijo da garota que não defenestra ideias.