Eu odeio a iluminação artificial
do aeroporto. Na verdade, eu odeio mesmo é o modo como tudo ao meu redor parece
gritar superficialidade. O que aconteceu com as despedidas e reencontros
calorosos? Morreu o sentido da frase: “matar a saudade?” Ninguém aqui parece
querer matar a saudade, talvez, até mesmo uns aos outros, mas não a saudade.
Suspiro e me deixo escorregar no
banco. Fecho os olhos, me concentrando no motivo da minha espera. Ela. Eu vim
buscá-la. Fazia tanto tempo. Fazia tanta falta. Às vezes, eu pensava no que
dizer quando finalmente nos reencontrássemos. Nada parecia certo. As palavras
deixavam de bastar.
Enquanto o tempo livre me é dado,
escorrego a minha mente pelos labirintos da minha memória, chegando
irremediavelmente àquele dia. O dia que marcou o que significávamos. Uma pra
outra. O dia em que você me odiou.
Nós éramos tão diferentes, e ao
mesmo tempo, assustadoramente parecidas. Costumávamos brigar muito. E Brigamos
também naquele dia. Não. Eu não lembro o motivo. E não é sempre assim? Quando o
tempo nos faz o favor de apagar as causas das nossas feridas, sobra a nós,
remoermos apenas as conseqüências.
- Eu te odeio! – Você gritou. Com
todas as letras. Não era a primeira vez. – Eu te odeio! Te odeio! Te odeio! –
Jogada na cama, se debruçava em lágrimas. Saí do quarto revoltada.
Provavelmente, te odiando um pouquinho também. Foi o que eu decidi fazer depois
que mudou tudo. Eu decidi voltar.
Deixo a cabeça pender com as
lembranças, só para o meu ouvido acusar uma recente movimentação na área de
desembarque. Olhei ao redor. Mais um vôo
havia chegado. Mais um em que você não estava. Entreguei-me novamente a uma
reconfortante escuridão.
Entrei no quarto batendo o pé e espumando
de raiva. Raiva pela sua eterna teimosia e raivo do seu jeito de sentir as
coisas. Um modo que sempre fazia com que eu me sentisse culpada. Sensível
demais.
- Então você me odeia?! –
Perguntei. Em segredo, espantada com a sua coragem para dizer algo forte assim.
Eu nunca diria. Mesmo que realmente
sentisse isso. – Pois saiba que eu não te odeio! Você é minha irmã, e eu te
amo! – Ela soltou um grunhido incrédulo. – Aliás, quer saber de uma coisa? Só
porque eu não me jogo na cama e começo a chorar, não quer dizer que eu não
sinta as coisas. Você acha que eu não sinto quando você diz que me odeia?!
Somos irmãs, pelo amor de Deus, é claro que eu sinto! – Eu lhe disse já
tentando segurar algumas lágrimas que ameaçavam cair. – Agora pare de me culpar
por tudo! A culpa é toda minha por acaso?
- É! – Você bradou de volta. E eu
não podia acreditar que você realmente cria nisso. Eu queria xingar a dona da
verdade absoluta que você era. Porém, foi aí que você começou a sua lista. As
lágrimas que você derramou naquele momento pesam meu coração até hoje. Eu nunca
consegui me livrar delas, sabe? Talvez a culpa, fosse realmente toda minha.
Abri os olhos, desejosa de que a
dor que reascendi se abrandasse. Ao invés disso, ela continuou queimando em meu
peito. Continuou até ao longe, avistar o seu olhar sorrindo em minha direção,
mais do que o seu próprio sorriso. Você chegou.
- Você é sempre ignorante comigo!
E arrogante! Você nunca pode me responder as coisas, e me emprestar as suas
coisas! Mas para as suas amigas... é sempre diferente! Você nunca me diz coisas
boas! Nunca! – Você soluçou. Se perdendo em palavras, dor e lágrimas. – Eu te
disse “eu te amo” naquele dia. A gente estava ali. – da janela aberta, você
apontou para a nossa varanda. – E o que você me respondeu? – Eu não lembrava.
Mas você sim. E muito bem. – “Ah, ta.” Foi o que você me disse. Por isso eu
parei de te dizer “eu te amo”. Por isso eu parei de te dizer “eu te amo”!
Por um momento, eu perdi tudo.
Até mesmo a voz. As suas palavras bateram tão forte em mim que eu desaprendi a
respirar. Eu nunca pensei estar causando tanta mágoa. Tanto sofrimento.
- Eu não... eu não falei sério. –
Tentei, desprezívelmente, me explicar. Mas eu não podia. Nem devia.
- Você falou sério.
Porque você me amava daquele
jeito? Do jeito que se sofre, mais do que se é feliz? Eu não queria. Não
merecia. Não queria que você sofresse. Queria que continuasse minha a ser minha
irmãzinha. Ao invés disso, eu estava te perdendo. Mais do que nunca.
Levanto rapidamente, quando você
finalmente para a minha frente. E percebo que mesmo que tivesse encontrado algo
perfeito pra dizer, a perfeição não chegaria viva a esse instante.
- Oi. – Eu digo simplesmente.
Você não diz nada. Somente me abraça. Protagonizamos um momento capaz de
introduzir o mínimo de ternura ao recinto, como se, alguma janela invisível
tivesse nos presenteando com a verdadeira luz. Com o Sol. E de algum modo, eu
sei que você também se lembrou daquele dia. Do dia em que você me odiou. E
também, do dia em que você voltou a me amar.
Quando a realidade me atingiu, eu
comecei a agir. O momento estava passando, e nunca mais voltaria.
- Eu quero que você me olhe. – Eu
exigi.
- Não. – Você disse. Eu segurei
os seus braços e te obriguei a levantar.
- Eu quero que você me olhe. – Eu
ia dizer que sentia muito. Por tudo. Que às vezes, eu podia ser rude, e imbecil,
principalmente com as pessoas que eu amava. Que às vezes, eu nem percebia e em
outras, eu apenas não conseguia me segurar. E que me sentia como o apóstolo
Paulo, quando disse: “o bem que quero, não faço, mas o mal que não quero, este
é o que pratico.” Queria que você visse que eu não valia à pena. No entanto, ao
invés de dizer todas essas coisas... – Eu te amo, ouviu? Eu te amo e nunca
duvide disso! – Esperei que assentisse.
Então eu a abracei e nós choramos
juntas. Com sua cabeça encostada em meu peito, passei as mãos em seus cabelos.
Quando consegui murmurar um “me desculpe”, afastei um pouco o seu rosto para,
com os polegares, enxugar suas lágrimas. Você me pediu desculpas também e me
apertou em seu abraço. Cada vez mais
forte. Mais. Mais. E mais forte. Por fim, sussurrou:
- Eu não te odeio.