Ela perguntou como ele andava. Ele admitiu que passava por uns problemas. “Mas nada demais”. Ela sorriu e assentiu como se acreditasse; ainda o conhecia melhor do que ele imaginava. Ele perguntou como ela estava. Ela disse que estava bem. Ele pensou que aquela era a coisa certa a se responder; ela parecia mesmo bem. Passaram algum tempo se encarando, com olhos voltados a um passado distante.
“Você não mudou nada”. Ela comentou mais pra si mesma, do que pra ele. Ele deixou a cabeça pender. “Eu me mudei.” Brincou, disfarçando a frustação que sentia. Não era assim que ela deveria vê-lo depois de tanto tempo. “Você mudou.” Ele sentenciou com certa nostalgia. “O cabelo, eu cortei, pintei...”. “Não”, ele disse, “você mudou aí dentro”. E apontou para a mulher que estava parada a sua frente. Ela esboçou um pequeno sorriso. “Eu cresci”.
Por um instante, a atmosfera entre eles mudou também, tornou-se mais intima e morna. Ele começou a suar. Ela percebeu. Então voltaram a comentar sobre coisas superficiais, sobre o tempo, falar sobre o clima. Era impressão deles ou fazia mais frio na cidade? Sentaram-se um pouco num banco ao lado de uma árvore que fora cortada. Ela lembrou que já estivera ali com ele. Mas lá atrás a árvore ainda lhes fazia sombra. A árvore ainda era árvore. Ficaram por alguns momentos discutindo bobagens que não tinham raízes no passado.
Finalmente ele disse que tinha que ir, já estava atrasado para um compromisso. Ela leu nos olhos dele que não havia nenhum, mas não resistiu a sua partida. Já era mesmo hora deles se despedirem. “Nos encontramos por aí”. Foi o que ele falou. “Até mais”. Ela lhe respondeu. Por dentro, murmurava um resignado “adeus”. Nunca mais se veriam. Nunca mais se esqueceriam.
Deixou que ele sumisse de sua vista e voltou a se sentar. Seus olhos foram atraídos ao presente. Passou a observar a árvore que não existia mais, e se compadeceu dela. Cortaram seu tronco e deixaram-na como se estivesse em carne viva. Expuseram sua ferida. Relegaram-na a mostra só pra ressuscitar na memória a dor da lembrança do que um dia ela foi.
Veio a sua mente a imagem de que eles foram como aquela árvore, um dia flor, um dia frutos, um dia sombra, um dia amor. Um dia a vida cortou o que existia entre eles e deixou que se reencontrassem ali. Para que todos pudessem ver o que restou. Assim como fizeram com a árvore cortada, expuseram a sua cicatriz e ressuscitaram na sua memória a dor da lembrança do que um dia eles foram. Do que deixaram de ser.
Árvores são cortadas todos os dias. E numa proporção bem menor, árvores são plantadas todos os dias. Ela costumava viver de pequenas plantas. Pôs a mão no bolso e tirou de lá algumas sementes que há muito tempo não tinha coragem de usar. Sementes de confiança, de oportunidade, de esperança. Sementes de amor. Levantou-se e foi plantar uma árvore em um lugar fértil a eternidade, decidida a fazê-la crescer, a fazê-la durar. Decidida a não deixar que ninguém a derrubasse. Nem mesmo a vida. Levantou-se decidida a deixar as cicatrizes para trás. Decidida a voltar a amar.