6 de fevereiro de 2012

Sobre aquele dia

Eu odeio a iluminação artificial do aeroporto. Na verdade, eu odeio mesmo é o modo como tudo ao meu redor parece gritar superficialidade. O que aconteceu com as despedidas e reencontros calorosos? Morreu o sentido da frase: “matar a saudade?” Ninguém aqui parece querer matar a saudade, talvez, até mesmo uns aos outros, mas não a saudade.

Suspiro e me deixo escorregar no banco. Fecho os olhos, me concentrando no motivo da minha espera. Ela. Eu vim buscá-la. Fazia tanto tempo. Fazia tanta falta. Às vezes, eu pensava no que dizer quando finalmente nos reencontrássemos. Nada parecia certo. As palavras deixavam de bastar.

Enquanto o tempo livre me é dado, escorrego a minha mente pelos labirintos da minha memória, chegando irremediavelmente àquele dia. O dia que marcou o que significávamos. Uma pra outra. O dia em que você me odiou.

Nós éramos tão diferentes, e ao mesmo tempo, assustadoramente parecidas. Costumávamos brigar muito. E Brigamos também naquele dia. Não. Eu não lembro o motivo. E não é sempre assim? Quando o tempo nos faz o favor de apagar as causas das nossas feridas, sobra a nós, remoermos apenas as conseqüências.

- Eu te odeio! – Você gritou. Com todas as letras. Não era a primeira vez. – Eu te odeio! Te odeio! Te odeio! – Jogada na cama, se debruçava em lágrimas. Saí do quarto revoltada. Provavelmente, te odiando um pouquinho também. Foi o que eu decidi fazer depois que mudou tudo. Eu decidi voltar.

Deixo a cabeça pender com as lembranças, só para o meu ouvido acusar uma recente movimentação na área de desembarque.  Olhei ao redor. Mais um vôo havia chegado. Mais um em que você não estava. Entreguei-me novamente a uma reconfortante escuridão.

Entrei no quarto batendo o pé e espumando de raiva. Raiva pela sua eterna teimosia e raivo do seu jeito de sentir as coisas. Um modo que sempre fazia com que eu me sentisse culpada. Sensível demais.

- Então você me odeia?! – Perguntei. Em segredo, espantada com a sua coragem para dizer algo forte assim. Eu nunca diria.  Mesmo que realmente sentisse isso. – Pois saiba que eu não te odeio! Você é minha irmã, e eu te amo! – Ela soltou um grunhido incrédulo. – Aliás, quer saber de uma coisa? Só porque eu não me jogo na cama e começo a chorar, não quer dizer que eu não sinta as coisas. Você acha que eu não sinto quando você diz que me odeia?! Somos irmãs, pelo amor de Deus, é claro que eu sinto! – Eu lhe disse já tentando segurar algumas lágrimas que ameaçavam cair. – Agora pare de me culpar por tudo! A culpa é toda minha por acaso?

- É! – Você bradou de volta. E eu não podia acreditar que você realmente cria nisso. Eu queria xingar a dona da verdade absoluta que você era. Porém, foi aí que você começou a sua lista. As lágrimas que você derramou naquele momento pesam meu coração até hoje. Eu nunca consegui me livrar delas, sabe? Talvez a culpa, fosse realmente toda minha.

Abri os olhos, desejosa de que a dor que reascendi se abrandasse. Ao invés disso, ela continuou queimando em meu peito. Continuou até ao longe, avistar o seu olhar sorrindo em minha direção, mais do que o seu próprio sorriso. Você chegou.

- Você é sempre ignorante comigo! E arrogante! Você nunca pode me responder as coisas, e me emprestar as suas coisas! Mas para as suas amigas... é sempre diferente! Você nunca me diz coisas boas! Nunca! – Você soluçou. Se perdendo em palavras, dor e lágrimas. – Eu te disse “eu te amo” naquele dia. A gente estava ali. – da janela aberta, você apontou para a nossa varanda. – E o que você me respondeu? – Eu não lembrava. Mas você sim. E muito bem. – “Ah, ta.” Foi o que você me disse. Por isso eu parei de te dizer “eu te amo”. Por isso eu parei de te dizer “eu te amo”!

Por um momento, eu perdi tudo. Até mesmo a voz. As suas palavras bateram tão forte em mim que eu desaprendi a respirar. Eu nunca pensei estar causando tanta mágoa. Tanto sofrimento.

- Eu não... eu não falei sério. – Tentei, desprezívelmente, me explicar. Mas eu não podia. Nem devia.

- Você falou sério.

Porque você me amava daquele jeito? Do jeito que se sofre, mais do que se é feliz? Eu não queria. Não merecia. Não queria que você sofresse. Queria que continuasse minha a ser minha irmãzinha. Ao invés disso, eu estava te perdendo. Mais do que nunca.

Levanto rapidamente, quando você finalmente para a minha frente. E percebo que mesmo que tivesse encontrado algo perfeito pra dizer, a perfeição não chegaria viva a esse instante.

- Oi. – Eu digo simplesmente. Você não diz nada. Somente me abraça. Protagonizamos um momento capaz de introduzir o mínimo de ternura ao recinto, como se, alguma janela invisível tivesse nos presenteando com a verdadeira luz. Com o Sol. E de algum modo, eu sei que você também se lembrou daquele dia. Do dia em que você me odiou. E também, do dia em que você voltou a me amar.

Quando a realidade me atingiu, eu comecei a agir. O momento estava passando, e nunca mais voltaria.
- Eu quero que você me olhe. – Eu exigi.

- Não. – Você disse. Eu segurei os seus braços e te obriguei a levantar.

- Eu quero que você me olhe. – Eu ia dizer que sentia muito. Por tudo. Que às vezes, eu podia ser rude, e imbecil, principalmente com as pessoas que eu amava. Que às vezes, eu nem percebia e em outras, eu apenas não conseguia me segurar. E que me sentia como o apóstolo Paulo, quando disse: “o bem que quero, não faço, mas o mal que não quero, este é o que pratico.” Queria que você visse que eu não valia à pena. No entanto, ao invés de dizer todas essas coisas... – Eu te amo, ouviu? Eu te amo e nunca duvide disso! – Esperei que assentisse.

Então eu a abracei e nós choramos juntas. Com sua cabeça encostada em meu peito, passei as mãos em seus cabelos. Quando consegui murmurar um “me desculpe”, afastei um pouco o seu rosto para, com os polegares, enxugar suas lágrimas. Você me pediu desculpas também e me apertou em seu abraço.  Cada vez mais forte. Mais. Mais. E mais forte. Por fim, sussurrou:

- Eu não te odeio.

12 comentários:

  1. Lindo! Talvez seja preciso se odiar para se amar.

    Beijos.

    Lu

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  2. Olá, L. Tudo bem?
    Eu gostei muito do seu texto, de verdade. Parece uma cena tirada de livro, de tão bem que a narrativa flui. Li muitos textos e poucos me capturam como o seu. A cena é linda.

    Ela não te odeia. E você não odeia a ela. E eu adorei seu blog. Parabéns!

    Beijos.

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  3. O legal (ou não) é que sempre às vezes dizemos coisas ruins (como 'eu te odeio') a quem amamos apenas por medo do que está por vir ou de qualquer outra coisa. Ou simplesmente por não sabermos nos expressar.
    No mais, concordo com a Yuu no que se trata a sua narrativa :)

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  4. Quem nunca brigou com um irmão, falou coisas absurdas e depois foi lá e pediu desculpas? A relação fraternal é cheia de amor e ódio.

    Adorei o seu texto. Realmente parece ter saído de um livro. Fiquei imaginando a última cena, seria realmente lindo.

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  5. Luud, *-* lembrei das minhas irmãs, rs. E raro a gnt expressar sentimentos, mas sabemos q eles existem. Hehe.
    Uma gracinha seu mega post, uahuah. *_____*
    E parece mesmo uma cena tirada de um livro, haha! ^^
    bjãao

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  6. Essa história me lembrou tanto de mim e minha irmã, não que tenha acontecido isso com a gente, mas não moro perto dela,e não somos tão íntimas assim, me emocionei com seu conto, por que me identifiquei com a garota que é rude ás vezes com quem ama, eu sou assim, e pior ainda, não tenho muito contato com meus irmãos. Ahhhh, se eu te falar que uma lágrima cai agora do meu rosto você não vai acreditar, mas acredite. Você escreve muito bem, muito bem mesmo.

    Beijos

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  7. Belo conto, bem vrdadeiro, as vezes agimos de forma contraria a nossos sentimentos apenas por tentarmos agir da forma certa. Acabamos não conseguindo mostrar o quanto a gente se importa.

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  8. Caramba, que post! :O Adorei aqui.
    Visita-me depois?
    ;*

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  9. Que lindo post!
    Bem que existe aquele ditado que o ódio e o amor são os dois lados de uma mesma moeda... Não sei se se aplica, mas é uma comparação. :3
    Amei o post!
    =*

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  10. Meu Deus! Que texto lindo! Mas eu nem preciso dizer isso, certo?
    Bem, às vezes, ou melhor na maioria das vezes, me esqueço de dizer o quanto eu amo os meus irmãos. Eles são insuportáveis - isso é um fato! -, mas são meus e verdadeiramente os amo. Assim que colocar meus olhos neles, vou dizer isso. Lud, eu amei o texto. Esse se tornou o meu favorito.
    Obrigada por escrever coisas tão lindas.

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  11. Ainda bem que você me mandouo esse link pra mim ler! Hahaa..
    Gostei muito do texto. Um montão de vezes eu e a Anna Paula brigamos.. passa um tempinho e a gnete faz as pases. Eu não consigo viver sem ela, como não consigo parar de vrigar com ela! kkk
    As vezes é preciso odiar para poder amar! Amei essa frasee! kkkk
    Té mais! Passa no meu blog dps... Geralmente eu tenho preguisa de ler textos grandinhos assim, mas esse eu li inteirinho e vou ler os outros também!

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Beijo da garota que não defenestra ideias.