20 de janeiro de 2012

Sobre uma muralha

Não muito longe de nós há uma menina embalando um coração machucado. Ele adormeceu em seu colo pra se ver livre, mesmo que momentaneamente, da dor da decepção. Não a primeira, mas provavelmente a pior de sua jovem vida. A menina e o coração costumavam dizer que se casariam com ele. Isso sempre era motivo de risos para as pessoas a sua volta, agora ela achava que entendia porque era tão engraçado. É claro, poderiam ter dito pra ela não confiar seu coração a ele, mas não disseram.

Em seus braços, seu coração permanecia. Pensava em um modo de protegê-lo enquanto percorria as suas feridas com dedos tímidos. Algumas recentes e abertas e outras que ela pensou já estarem cicatrizadas há muito tempo. Não estavam. O coração sobreviveria, eles dois sabiam. Ainda assim ela não conseguia parar de se sentir culpada. Se sentir culpada por confiar, por acreditar nas pessoas. A decepção instalou em seu coração e mente a desconfiança. E a desconfiança fez com que construísse uma muralha. Uma muralha ao redor de seu coração.

Um tijolo por ferida, e em pouco tempo se levantava uma torre forte. Erguia-se em volta de um coração adormecido o isolamento. Mesmo cansada ela continuou. Qual não seria a surpresa do seu melhor amigo quando acordasse e visse o que ela tinha feito por ele. Para isso, deixaria uma pequena janela. Uma única fonte de contato com o mundo.

Enfim, o coração despertou. Um grito ecoou pelo silêncio recém estabelecido ao seu redor. Um grito suficientemente alto para acordar a menina que agora descansava perto de sua janela. Assustada, ela perguntou ao seu coração qual era o problema.

- O problema? – Indagou. – Como você pode não ver? Ele é tão grande que provavelmente pode ser visto do espaço!

- Ah! Isso? – Ela apontou para a grande muralha que se estendia ao redor do coração. – É um presente.

E então ela explicou, e apesar de sua resignação inicial, no fim o coração acabou aceitando. Era para sua proteção. Para que nunca mais sofresse. Para que ninguém nunca mais lhe machucasse.

E assim o tempo foi passando. A menina sempre em contato com o mundo, porém o mundo, nunca em contato com o seu coração. Ele a observava para passar o tempo e de vez em quando até conversava com outros corações que passavam em frente a sua janela. Corações felizes, corações feridos. Faziam o seu dia, vivia e sentia través deles. Porque a torre, ele foi percebendo, além de lhe impedir de se magoar, o impedia também de sentir qualquer coisa que não fosse um eterno vazio.

Até que um dia... Aconteceu. O coração se distraia observando as aves no céu quando outro coração desmaiou bem em frente a sua janelinha. Ele estava ferido, mas mesmo assim era belo. Nunca tinha visto nada igual. O desespero o apertou. Queria ajudá-lo, entretanto, estava preso em sua própria torre.

Ele gritou pela ajuda da menina. Ela, ouvindo o pedido de socorro do seu coração, correu com todas as forças e se surpreendeu ao ver que nada tinha lhe acontecido. Ao invés disso, encontrou outro coração. Ao aproximar-se desse estranho se encantou com a beleza das suas feridas e ficou apavorada. Como podia ser? Ao encarar o seu próprio coração viu a sua reação refletida nos olhos dele.

A menina cuidou do coração como se fosse o seu, enquanto esperava seu dono aparecer. Quando o menino apareceu, lágrimas rolavam pelo seu rosto. Lágrimas que se tornaram incontroláveis depois de entender o que aquela garota fez pelo seu coração. Ele agradeceu e depois se sentou ao seu lado para esperar o despertar.

Em sua espera, ele perguntou a respeito daquela grande construção. Ela falou e depois sugeriu que ele fizesse o mesmo ao redor do seu. Não podia deixar que aquele frágil ser se ferisse ainda mais. Entretanto, ele apenas disse que não teria coragem de cometer aquela grande injustiça para com o seu coração.

A menina não compreendeu, mas o seu coração pela primeira vez na vida, sim. A beleza das feridas vem de aceitá-las e superá-las. E mesmo estando, aquele outro coração adormecido, cheio delas, o coração da menina não sentia pena dele, aliás, o invejava. Porque todo mundo merece sentir, mesmo que machuque, mesmo que doa e magoe. Isso é, nada mais, nada menos, a vida.

Abriu-se então, no coração da menina, a maior das feridas, a que não era causada pelos sentimentos, pela confiança, pelo amor. Era uma ferida causada pelo nada. Era causada pela falta. O coração não mais precisava ser protegido; não queria ser protegido. Que a torre caia. Que a muralha de desfaça. Que os sentimentos venham. Que machuquem, que arranquem um pedaço de mim, que marquem, que me explodam, mas que venham. E que eu ame. Como jamais amei. Ou que odeie. Como nunca antes. Mas que eu sinta. Por favor, que eu sinta.

O coração estava, finalmente, pronto para começar a viver, faltava agora apenas uma coisa. Convencer a menina de que ela também podia estar pronta.  Olhando-a nos olhos ele viu o tamanho de sua desconfiança e falta de fé. E então, será que ele conseguirá fazê-la acreditar novamente?

9 comentários:

  1. A forma com que você enxerga o mundo é tão, tão bela. Pensei - não vou ler, é grande demais
    e no primeiro paragrafo, percebi, que não podia deixar de chegar no fim, não, nem pensar. É um pouco de minha vida, pedaço da minha história, que de forma feliz encontrou suas palavras.
    Como uma amiga minha diz "inveja literaria de você"
    Mas uma inveja boa, não se preocupe, uma inveja de quem tem mais sede por suas palavras, e deseja, quem sabe, voltar a escrever assim.

    Bjs. Raehli Hage

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eu escrevo esses textos enormes e as vezes me arrependo, me pergunto: quem, pelo amor de Deus, vai encarar um texto desse? Fico feliz que você tenha feito isso.

      "Inveja literaria." Muitos risos. =D

      Bjão.

      Excluir
  2. Oii, você é de Salvador? Gostaria de te apresentar o Por Amor a Salvador. Ele ainda está em construção e por isso tem poucas informações e divulgações, mas quero juntar blogueiros daqui pra participar e ajudar: http://poramorasalvador.blogspot.com/
    É um projeto sobre o centro histórico, principalmente os casarões. :)
    A propósito, eu gostei muito do seu blog, você escreve muito bem! Esse texto é lindo, a gente precisa se permitir, mesmo que isso nos faça sofrer, por outro lado sempre aprendemos alguma lição. Menina, me apaixonei por suas palavras, sério *-* Quero publicar seu blog no yet love! Bjs

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sou sim e o projeto pode ser ótimo.
      Obrigada pelos elogios e quanto a publicar o ideias defenestradas no yet love: seria uma honra! =D

      Excluir
  3. Oi querida,

    Lindo texto!As vezes muitas dores são causadas por esse nada, apenas isso. Também escrevo longos textos, mas entendo que é um momento que não se desperdiçar.

    Beijos e obrigada pela visita. Estou te seguindo.

    ResponderExcluir
  4. Que lindo Lud! Eu já disse isso antes, mas não me canso de repetir: você tem um talento especial menina! E sério; eu AMEI!

    ResponderExcluir
  5. Acho que palavras não seriam suficiente pra dizer o quanto eu amo tudo o que você escreve e você mesma deve ter uma prévia do quanto tempo eu levei pra decifrar seus sentimentos através das palavras, desde sempre.
    Orgulho incondicional de você prima, de verdade ♥
    E que nessa vida a armadura se desfaça e que os sentimentos venham!


    P.S: Já abri a página de comentários do meu fotolog tá? Você é SUPER bem vinda lá! hihi (:

    ResponderExcluir
  6. Obrigada vizinha. Passarei por lá. =D

    ResponderExcluir

Nada de jogar as suas opiniões pela janela!
Comentários são sempre bem vindos. Se expresse, mas seja respeitoso.

Beijo da garota que não defenestra ideias.