Nasceu, há muito tempo atrás, o primeiro filho de um chaveiro e de uma feiticeira. Desde pequeno, o menino demonstrou que possuía um talento especial. A primeira chave que fez, abriu a porta para a sua fama e fortuna. Unindo as ferramentas do pai e a magia da mãe, ele era capaz de destrancar qualquer fechadura, fosse ela física ou imaterial.
Ao notarem o dom do filho, os seus ambiciosos pais logo o puseram para trabalhar. Começou com trabalhos simples, cobrando pouco e abrindo portas que guardavam apenas pequenos segredos. Mas com o passar do tempo, foi encarregado de realizar trabalhos maiores, atraindo a atenção da alta corte.
O rapaz crescia e prosperava, ensinado pelos pais a ansiar sempre por mais, tomava uma dose de arrogância por dia. Foi acolhido pelo rei, com a condição de que se tornasse o chaveiro real, e que, para ele, realizasse qualquer trabalho, por mais duvidoso que pudesse parecer. Sua fama era conhecida por todos, não havia porta que o Chaveiro não pudesse abrir, não havia trabalho que recusasse.
Um dia, o Rei lhe pediu que abrisse a porta para um reino vizinho, do qual era inimigo. O saquearia e o destruiria, mataria os seus homens e roubaria as suas filhas. De olhos fechados, o Chaveiro a tal chave fabricou, permitindo que os planos do Rei fossem concretizados. Inebriado com a sua vitória, o Rei mandou que se organizasse uma festa em homenagem ao seu braço direito: o Chaveiro Real.
Todo o povo fora convocado a comparecer e comemorar, ainda que se soubesse que alguns entre eles choravam a perda de parentes no reino devastado. Muita bebida e comida foram preparadas, o salão do palácio foi limpo para recebê-lo, e todos preparativos realizados mediante o olhar atencioso de seus pais. Pois afinal, procuravam garantir que o filho tivesse a maior festa de todas. E que pudessem usufruir de tudo.
No hora marcada, os convidados começaram a chegar, nobres e plebeus, encheram o salão para prestigiar a sua ilustre presença. O Chaveiro pensou em como muitos deviam estar invejosos de sua posição, e em como ele devia estar se sentindo satisfeito por ter tudo o que sempre almejara. Não estava. Queria algo mais. Mas o quê?
Foi a rodopiar pelo salão, que encontrou os olhos da moça mais bela que já havia visto. Ela calçava plumas, e vestia ouro, mas sorria de tal maneira simples, que poderia se passar por uma camponesa, se assim quisesse. Cada passo seu possuía uma cadência delicada, que o fez pensar, por um momento, que ela levitava. Queria ela.
Aproximou-se e tirou-a para dançar, não ousaram negar-lhe a sua mão. Enquanto dançavam, juntos, durante toda a noite, o Chaveiro já começava a pensar em como fabricaria a chave que abriria a porta daquele terno coração. Não haveria de ser tão difícil, pensava ele, considerando que já realizara trabalhos maiores.
No entanto, o que não sabia, e que descobrira mais tarde, depois de muitas tentativas fracassadas, era que o coração da moça havia sido trancado por uma terrível maldição, lançada pelo seu pai, o Rei do Reino Vizinho. Em seus últimos minutos de vida, sabendo que sua filha iria morar naquele reino impiedoso, procurara evitar que ela se casasse com um homem dentre aqueles que o destruíram. Só havia uma chave no mundo que podia quebrar a maldição, e acreditava-se que ela havia se perdido para sempre durante a destruição do Reino Vizinho.
Consternado, o Chaveiro não quis aceitar que nem mesmo as melhores ferramentas ou a mais poderosa magia poderiam abrir a porta para o coração da moça. No dia seguinte, trancou-se numa torre e jurou só sair de lá quando conseguisse criar um antídoto para a maldição. Fabricou milhares de chaves, mas nenhuma delas foi capaz de destrancar a fechadura.
Transtornado pela possessão não consumada, o Chaveiro sucumbiu a ideia de que não havia sentido viver se não pudesse possuir tudo aquilo que queria. Mandou que lhe preparassem um molho de chaves, e nele pôs uma gota do veneno mais temível que já existira. Foi trancafiado pela própria ambição, que o Chaveiro suspirou pela última vez. Ele manteve sua palavra até o seu instante final, e só foi retirado da torre após falecer.
Alguns sentiram a sua morte, é verdade, mas ninguém sentiu a sua perda. Seus pais choraram a falta que fariam a riqueza e a fama do filho, sem ele, voltariam à miséria, confinados a pobreza como em tempos anteriores. O Rei chorou a morte de seu mais eficiente funcionário, sem ele, algumas portas nunca seriam abertas, alguns sonhos permaneceriam eternamente trancados.
No dia do seu enterro, ele se deitou solitário sobre seu leito de terra. Os tantos que o acompanharam em vida, abandonaram-no na morte, permaneceu sozinho, até que entre as sombras e a névoa da noite, uma moça veio visitá-lo. Aproximou-se do seu túmulo como uma brisa, leve e fria. Depositou ali uma chave e as palavras sussurradas: "Se você ao menos houvesse pedido, eu a teria lhe entregado".
Escrevi esse texto já faz algum tempo, mas não postei porque... Eu não sei porque, mas acho que foi por causa dessa sensação de desinteresse que as vezes toma conta de mim. Tenho escrito pouco, bem menos do que gostaria, bem menos do que considero saudável. Até porque, se não escrevo, quer dizer que almoço minha angustia, sem fazer digestão. É sério, não escrever, não é saudável. Então hoje eu decidi que ia postar o meu texto e que daqui pra frente ia tentar escrever até mesmo se tiver que ser sobre o meu desdém. Quem sabe o que vai parar nesse blog daqui pra frente? É bem provável que seja absolutamente nada, ou apenas nada de interessante, mas talvez, numa dessas probabilidades bem pequenas mesmo, eu consiga voltar a transportar meus sentimentos com mais nitidez. Eu tenho abandonado as minhas ideias, mas tentarei tornar a defenestrá-las por aqui. Queijos, beijos e até qualquer outro dia.
P.S.: Agradeço muito mesmo todos os comentários do último post, sempre bom saber que há pessoas para nos apoiar. O TheFunny está agora participando de um concurso, nos desejem sorte, talvez eu comente sobre ele em outro post.