Existe um concurso silencioso se espalhando pelos coletivos da cidade. O concurso que exalta a tristeza bela que existe nos olhos cansados. Todos são juízes, todos são julgados. Mas nem todos possuem aquele olhar característico que poderá tornar-lhe um finalista. E talvez, o vencedor de um prêmio ingrato.
Entre dias e noites, eu espreito almas solitárias como um fantasma, acordo ao despertar da manhã e descanso somente a alta noite, na sombra projetada por certos olhares cansados. Sou eu, um caça talentos, em uma busca fútil e infinita, para satisfazer os criadores e os criados desta competição. Sou eu, o prisioneiro de uma liberdade forjada, de uma prisão de grades translúcidas, da vida impregnada nos olhos alheios.
O que eu vejo, quase ninguém vê. Os olhos cansados são apenas o fim da história, mas ao encará-los eu sou o único a ver o começo, eu sou o único a viver o meio. O desanimo pode ser aparente, mas a dor é latente. Tamanha angustia são obrigados a carregar que seus olhos mal conseguem se manter abertos. Tamanha amargura, tamanho peso para seus espíritos se manterem despertos.
Vez por outra, observo uma inveja espessa escoar entre os finalistas diante dos que os aplaudem do lado de fora, inveja de seus olhares repletos de uma sutil animosidade, da luz e da expectativa não encontrada nos olhos daqueles cujo trabalho e o cansaço se transformaram nas cores dos seus olhos. Os finalistas e os eliminados. Infelizmente, serei eu a apontar.
Serão estes, os finalistas dos Olhos Cansados. Aquela mulher de grandes olhos negros que trabalhou o dia inteiro, que chegará em casa e ainda cuidará dos filhos; servirá ao marido. Nenhum tempo pra si mesma. Aquele senhor, idoso e de cabelos brancos que vê aproximar o fim da vida, que sente o esforço ter sido em vão, que gostaria de mais tempo, de mais saúde, de mais serenidade. E menos solidão.
Serão estes, os finalistas dos Olhos Cansados. A criança, miúda e tímida, que não pediu pra nascer, mas que ainda assim foi obrigada a crescer antes do seu tempo. O jovem, faminto e desacreditado, que não consegue ver sentido no mundo e na sua própria existência. Que tem medo do que acontece depois que a vida segue seu curso. Que nunca aprendeu a esperar.
Serão estes, os finalistas dos Olhos Cansados. As mulheres e os homens desta terra. Homens e mulheres que apoiam a cabeça na fé que se esvai, tão lenta e dolorosamente. Que se acomodam e dormem sobre a injustiça velada, fajuto travesseiro de veludo. Que se resignam e seguem viagem, esperando a próxima parada. O ponto em que irão descer. O momento em que irão partir.
Todos nós seremos passageiros dessa vida. Todos nós seremos juízes dos olhos dos outros. E todos nós seremos julgados por olhares ausentes. Mas no fim, seremos todos vencedores. Do Concurso dos Olhos Cansados. Nas mãos, um troféu inválido, que não compensa a nossa história. Que não compete a nossa hora. Nós partiremos então. Os olhos, já selados, guardarão o eco da tristeza, um silenciado grito de desespero.
Ah, glória amarga! Quem dera sermos todos eliminados.
Ah, glória amarga! Quem dera sermos todos eliminados.
Oi Éli-ponto minha amiga, tudo bem?
ResponderExcluirEnquanto eu lia esse belo texto, eu me lembrei de uma música do Zé Ramalho que tem o seguinte verso:
"Pares de olhos tão profundos que amargam as pessoas que fitar..."
Muito lindo seu texto! Daqueles de ficar pensando várias horas!
Parabens minha amiga!
Fica com Deus!
Ótimo trecho André, captou bem a essência do texto. Beijo e obrigada pelos elogios. =D
Excluirque texto maravilhoso. lembrou-me do texto que coloquei em meu blog...
ResponderExcluirSou uma caçadora de olhos. Principalmente depois que eu conheci uma música que diz "Deus sabe o que está se escondendo naqueles fracos e afundados olhos". Acho que existe algo de misterioso e melancólico que atrai e ao mesmo tempo desperta compaixão. Peço desesperadamente que essa fome e essa sede de vida possam ser saciados dentro desses olhos.
ResponderExcluirAh, Dinha, seria tão bom. Eu vejo esses olhos cansados todos os dias, e são tantos, que não consigo dar nenhum palpite sobre quem vai ser o vencedor.
ExcluirAcho que nenhum texto descreve mais o que nós vemos todos os dias, em todos os lugares. O olhar diz tantas coisas, mais do que os donos deles possam imaginar. As pessoas andam saturadas, de saco cheio e sem saco uma para as outras. Espero não estar no mal dos olhos cansados.
ResponderExcluirBeijinhos
Hipérboles
@hiperbolismos
É mesmo difícil ser paciente e tolerante quando a gente está cansado.
ExcluirUau! Que texto Mallu!
ResponderExcluirnossa!
Chegar aqui de madrugada com os olhos cansados, no sentido literal e olhos cansados também no metafórico... creio que eu só não ganhe o tal concurso, porque teu texto me limpou a visão e me acordou!
Muito bom, muito bem-escrito e maduro!
Fico feliz com tua escrita!
Beijos e ótimos dias!
Fico muito feliz se o meu texto foi de alguma ajuda. Que esse despertar te proporcione olhos menos cansados.
ExcluirBeijos.
Sabe o que eu imaginei ao ler o seu texto? Um monólogo. Uma mulher, não sei por que uma mulher, mas uma mulher falando esse texto de forma emocionada, com a voz embargada em certos momentos, em outros momentos a voz estaria um tanto raivosa, revoltada. Sim, imaginei tudo isso, porque você fala verdades de forma única, poética, e isso nos faz pensar tanto, nos leva a tantas reflexões.
ResponderExcluirAcho que os meus olhos andam muito cansados ultimamente. Eu só queria que eles, sei lá, descansassem e voltassem a ser mais ativos, mais felizes, mais sedentos pela vida.
Um abraço, L. ;)
Sacudindo Palavras
Acho que é um monólogo universal Erica, um desabafo, uma confissão, um grito. Boa percepção.
ExcluirOlá, Mallu.
ResponderExcluirExcelente texto, como de hábito.
Creio que nossos olhos muitas vezes refletem aquilo que tentamos esconder e guardam o que gostaríamos de esquecer.
Abraço.
Ótimo Jacques, é exatamente isso.
Excluirque triste ;_;
ResponderExcluirEmilie Escreve ~
Olhos ao que tudo ve e tudo se encaixa na mais imensidao de nossos pensamentos que o que nos faz encantar por aquilo que os olhos veem.
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